A decisão foi correcta e deve ser mantida. Em resumo, foi nestes termos que a procuradora Leonor Machado respondeu aos recursos de Orlando Figueira e do advogado Paulo Amaral Blanco, ambos condenados em primeira instância no processo "Operação Fizz". Num extenso documento que deu entrada no Tribunal da Relação de Lisboa, a magistrada do Ministério Público defende que as condenações aos dois arguidos (corrupção passiva e activa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e violação do segredo de justiça) devem ser mantidas, não tendo o tribunal de primeira instância incorrido em nenhum erro.
Nos respectivos recursos, ambos os artigos declararam que as decisão de arquivamento das suspeitas contra Manuel Vicente foram correctas, já que não havia indícios que o ligassem a crimes cometidos em Portugal. Porém, e recorrendo a elementos do chamado "caso Portmill" - investigação iniciada após uma denúncia do jornalista/ativista angolano Rafael Marques, levantando suspeitas sobre o financiamento desta empresa para entrar no capital social do BES /Angola - a procuradora do Ministério Público traça um padrão de actuação de Manuel Vicente, considerando que, apesar de este não possuir nenhum cargo formal em algumas empresas, está, de facto, ligado a elas. " No decurso do julgamento foram juntos documentos que demonstram que a Portmill, era utilizada por Manuel Vicente, Leopoldino Nascimento e Helder Dias na condução dos seus negócios", ou seja os homens-fortes do regime de José Eduardo dos Santos. Como proprietário formal (com acções ao portador) da empresa surgia o cidadão angolano Zandre Campos, porém, como realçou o Ministério Público, a empresa era detida pelo grupo "Aquattro Internacional", que entre "2007/2008 fundou 40 subsidiárias com sede na mesma morada em Luanda, entre as quais o Grupo Zahara, a Portmill, a Nazaki &Oil, a Delta Investimentos e Betão e a Althis Siderugia". Por sua vez, o tal grupo Aquattro foi constituído a "26-07-2007, sendo accionistas Manuel Vicente, Leopoldino Nascimento, Hélder Júnior, João Inglês e Domingos Inglês, todos representados já nessa altura por Isménio Coelho Macedo, administrador do Banco Privado Atlântico, sendo que cada um dos três primeiros sócios referidos ficaram com 33% e os restantes com 0,5% para cada." "A "Aqattro Internacional" detinha a "Portmill" em 99,96% sendo os restantes sócios Domingos Inglês e João Inglês e na cessão de quotas de 10-06-2009, momento em que se opera a transformação da sociedade por quotas em sociedade por acções, aparece Isménio Macedo a representar a "Aquattro" e os accionistas João Inglês e Domingos Inglês, e simultaneamente a representar os cessionários, testas de ferro dos verdadeiros accionistas", concluiu aLeonor Machado.
Neste emaranhado de empresa e representações, surgiu, em 2011, uma transferência de dinheiro para a compra de um apartamento no empreendimento Estoril-sol, adquirido em nome de Manuel Vicente pelo seu representante de negócios em Portugal, Armindo Pires, que chegou a ser acusado pelo Ministério Público, acabando absolvido em julgamento. Com um inquérito aberto à compra de vários apartamentos naquele empreendimento, Orlando Figueira, então procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), decidiu separar o caso de Manuel V Vicente, arquivando-o, com a justificação de que Vicente tinha rendimentos suficientes que justificavam o seu poder económico. Porém, o tribunal de julgamento e a procuradora consideram que eram necessárias mais diligências, sobretudo para apurar o motivo de uma terceira entidade, ainda por cima offshore, - neste caso a Portmil - surgir a efectuar o pagamento do sinal no contrato-promessa. Algo que o procurador que sucedeu a Orlando Figueira na condução dos processos ligados a Angola, pelo menos, tentou apurar: "Verifica-se assim, que no inquérito em questão, o Procurador Ricardo Martos efectuou diligências por forma a apurar do motivo das transferências efectuadas pelas sociedades, o que não aconteceu quando Figueira foi titular".
A magistrada do Ministério Público entende também que o tribunal analisou correctamente a prova ao descrever e dar como provado como foi montado o circuito para Orlando Figueira receber o dinheiro, a contrapartida para arquivar processos ligados a Manuel Vicente.. Desde o primeiro contrato com a sociedade Primagest - que agora o Ministério Público considera estar ligada ao Banco Privado Atlântico e a ao banqueiro Carlos Silva -, passando até por um contrato de mútuo no próprio banco. "Os termos favoráveis em que o contrato de mútuo foi celebrado, sugerem que, de facto, Orlando Figueira teria uma tratamento especial. Aliás, na ficha de cliente de Figueira, constava que o mesmo tratava directamente com o PCA, o que só pode significar Presidente do Conselho de Administração, ou seja Carlos Silva", refere a procuradora na resposta aos recursos, recordando que em julgamento "o tribunal considerou assim, que as condições contratuais do mútuo demonstram por si só, que o mesmo foi celebrado para ocultar as transferências recebidas de Manuel Vicente, como contrapartida pelos arquivamentos proferidos nos processos, não sendo o contrato verdadeiro".
Neste resposta, Leonor Machado também fez questão de sublinhar a proximidade entre o banqueiro Carlos Silva e Manuel Vicente, apesar de algumas testemunhas e arguidos terem feito questão de dizer o contrário. A procuradora recordou que, enquanto presidente da Sonangol e maior accionista do BCP, Manuel Vicente deu ordens ao banco para partilhar "informação qualificada" com Carlos Silva, então presidente do Banco Privado Atlântico, assim como recordou um email de Miguel Maya, actual presidente do Millennium BCP, no qual o banqueiro, além de elogiar Vicente, dava conta das reuniões com pessoas indicadas por ele e por Carlos Silva; relembrando ainda que existe no processo outro email, de Carlos Santos Ferreira para Carlos Silva, no qual o então presidente do BCP falava em alguns temas que deviam ser visto "contigo" e com "MV", que o MP identifica como Manuel Vicente.
No recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o advogado Paulo Amaral Blanco considerou que o acórdão de primeira instância - que o condenou a quatro anos e quatro meses de prisão, mas com pena suspensa, por corrupção ativa, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documento, estando ainda impedido de exercer advocacia durante cinco anos - violou vários artigos da Constituição. Paulo Blanco alega que o Tribunal "julgou incorretamente vários pontos essenciais da matéria de facto em causa nos autos, o que conduziu a uma inevitável errada aplicação da lei". Já Orlando Figueira declarou, no respectivo recurso, que o tribunal que o condenou cometeu um erro grotesco e medonho.
Entretanto, considerou que uma parte desta história ficou por contar durante a investigação, mas que o julgamento tratou de revelar mais pormenores. Num despacho de 25 de maio, Leonor Machado pediu a extração de certidão de vários elementos do processo e o seu envio para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Os alvos de uma eventual futura investigação são Carlos Silva, ex-presidente do Banco Privado Atlântico Europa (BPAE) e Daniel Proença de Carvalho, advogado. A magistrada do Ministério Público afirma estarem em causa eventuais crimes de corrupção ativa e falsidade de testemunho.
De acordo com o despacho da procuradora, a que a SÁBADO teve acesso, Leonor Machado começa por recordar que já na "narrativa da acusação", foi Carlos Silva quem transmitiu a Manuel Vicente - antigo vice-presidente de Angola, suspeito de corrupção ativa, mas cujo processo foi enviado para a jurisdição angolana - a intenção de Orlando Figueira em ir trabalhar para aquele País. Porém, referiu a magistrada do Ministério Público, tal situação "não foi objeto de qualquer despacho prévio de arquivamento, por os indícios recolhidos não o justificarem".
Só que, continuou a procuradora, no decurso do julgamento "foi produzida prova testemunhal e documental que, conjugada com a prova já existente nos autos, demonstrada ainda que de forma indiciaria o envolvimento de Carlos Silva na elaboração dos contratos junto aos autos". Isto é, os contratos de trabalho celebrados entre a sociedade Primagest e Orlando Figueira, que o tribunal deu como provado tratarem-se de meros expedientes formais para encobrir a corrupção. SABADO