Print this page

Novos caminhos para a democracia em África - Adalberto Costa Júnior

Post by: 14 Junho, 2025
Novos caminhos para a democracia em África - Adalberto Costa Júnior

A era pós independentista, com raríssimas excepções não produziu democracias pujantes. Falar da democracia em África é reflectir sobre as vicissitudes por que passou o processo independentista em vários países do continente: da ocupação colonial; às lutas pelas independências nacionais, que semearam a saga de regimes de partido único; dando lugar aos ventos da democratização e ao surgimento do multipartidarismo em África com o desmoronamento da União Soviética, nos finais da década de oitenta, do século passado.

A democracia em África atravessa uma fase marcada por tensões profundas entre avanços institucionais e retrocessos autoritários. Se, por um lado, há uma crescente consciencialização cidadã e experiências positivas em determinados países, por outro, observa-se a consolidação de regimes autoritários, a manipulação de processos eleitorais e o fechamento do espaço cívico. Nesse contexto contraditório, a emergência da inteligência artificial (IA) como ferramenta de governança e comunicação política reconfigura oportunidades para as sociedades mas também perigos para o futuro da democracia no continente. O impacto da IA sobre os processos democráticos não pode ser avaliado de forma neutra ou abstrata. As tecnologias refletem e ampliam as estruturas sociais e políticas existentes. Na ausência de marcos regulatórios fortes, controle democrático e transparência, a IA pode ser facilmente apropriada por governos autoritários para fins de vigilância, repressão e manipulação. Em diversos países africanos, já se verificam o uso de softwares de reconhecimento facial para monitorar ativistas, a censura de conteúdos nas redes sociais e a disseminação automatizada de desinformação em períodos eleitorais. Ao mesmo tempo, há um enorme potencial para que a inteligência artificial se torne uma aliada da democracia, especialmente se for pensada a partir de uma perspectiva afrocentrada, ética e inclusiva.

Ferramentas de IA podem contribuir para a transparência administrativa, o combate à corrupção, o acesso à informação em línguas locais e a participação cidadã em plataformas digitais abertas.

A experiência da plataforma Ushahidi, no Quênia, que usou dados colaborativos para monitorar eleições e conflitos, é um exemplo emblemático da apropriação democrática das tecnologias. No entanto, é fundamental reconhecer que os benefícios da IA só serão alcançados se houver soberania tecnológica e justiça digital. A actual dependência africana de empresas estrangeiras, que controlam os dados, as infraestruturas e os algoritmos, impõe uma nova forma de colonialismo tecnológico. Para que a democracia floresça na era da inteligência artificial, os países africanos precisam investir na formação crítica de suas comunidades, garantir acesso equitativo às tecnologias, fomentar ecossistemas locais de inovação e estabelecer regulações que protejam os direitos humanos. Não se trata apenas de incorporar tecnologias aos processos democráticos, mas de reinventar a própria ideia de democracia a partir dos contextos africanos, valorizando princípios comunitários como o ubuntu, que coloca a solidariedade, a dignidade e o bem comum no centro da vida social. O futuro democrático de África depende, portanto, da capacidade de transformar a inteligência artificial em inteligência colectiva, a serviço da liberdade, da justiça social e da autodeterminação dos povos.

Vivemos uma era em que as ideologias como referência desapareceram. O mundo está comandado hoje pela fria expressão do controlo dos minerais raros. E África tem, infelizmente, estes recursos minerais raros e em grande quantidade. Digo infelizmente porque não os transforma e não os usa no processo de transformação industrial como ferramentas para a indústria automóvel, para as telecomunicações, para a indústria aeronáutica e espacial ou para o seu posicionamento geoestratégico na produção de armas, cujos detentores controlam o restrito clube dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações

Unidas. África possui as reservas estratégicas que determinam a competição das, hoje, potências determinantes na “Nova Ordem Mundial”, que gira à volta da China, dos Estados Unidos da América e da Rússia.  Mas uma África sem estabilidade política, com extensas manchas de pobreza ou de extrema pobreza, mesmo que com elites e sociedades civis, cada dia mais conhecedoras dos determinantes que conduzem ao equilíbrio dos poderes, ainda é frágil para impor preços, fazer pagar o justo valor das suas riquezas e tornar-se um parceiro entre os grandes que determinam as regras no mundo de hoje!

Nesta equação, são as elites governativas, extremamente corruptas, não democráticas, que jogam os seus interesses em detrimento dos interesses colectivos e hipotecam os seus países, o sonho das gerações constituídas por jovens, que hoje assumem-se no continente africano como grandes protagonistas na construção de uma África de democracia e de direitos

SOBRE ANGOLA

Angola retrocede a cada novo dia. A banalização do Estado transformou-se no prato do dia, servido com normalidade, enquanto a violência institucional se converte numa linguagem de governo. Desde 1975, ano da independência, o partido no poder vê o Estado como propriedade privada. A sua permanência no topo da hierarquia estatal é assegurada por práticas repressivas, alimentadas por uma lógica de manutenção do poder a qualquer custo. E nessa lógica, alianças com potências capitalistas globais são bem-vindas — mesmo que, para isso, se silenciem sistematicamente as denúncias de violações graves dos direitos humanos em território angolano.

Vivemos num sistema que opera pelo medo. Um governo que cria fantasmas de golpes de Estado para justificar o terror, que persegue opositores e cala vozes divergentes, sobretudo da oposição parlamentar e extraparlamentar. A repressão

de manifestações pacíficas, o policiamento abusivo nas redes sociais, os sequestros de cidadãos que ousam criticar o governo, tudo isso faz parte de um projecto que tem como objectivo o extermínio da consciência crítica. O Estado de direito é esvaziado de conteúdo. A democracia transforma-se em ficção institucional. A Assembleia Nacional, que numa democracia deveria representar o povo, legislar e fiscalizar o Executivo, converte-se numa extensão do poder presidencial.

A guerra da informação é outra face dessa opressão. O serviço de inteligência do Estado, longe de se ocupar da segurança nacional, dedica-se à criação de páginas falsas, perfis manipuladores e órgãos de propaganda, todos voltados para a disseminação de notícias falsas. A televisão pública, o jornal estatal, a rádio nacional, são ferramentas ao serviço de uma narrativa única. Não há espaço para o contraditório. Os ataques à UNITA, à sociedade civil e aos activistas fazem parte de uma programação regular, transmitida em horário nobre.

Vivemos um tempo de polarização profunda, entre os que defendem a continuidade do regime e os que exigem ruptura. Em 2022, a esperança da alternância de poder reacendeu em muitos corações. A luta pela institucionalização das autarquias locais tornou-se uma bandeira de resistência..

Felizmente começam a ser muitas as vozes africanas que intervêm para que Africa não continue fora dos radares democráticos. A inteligência artificial, o big data, os algoritmos — tudo isso pode ser apropriado como ferramentas de vigilância e repressão, ou como instrumentos de democratização e participação cidadã. A escolha está nas mãos dos povos africanos e das instituições que os representam — ou que deveriam representá-los. Também está na mão de dirigentes de instituições internacionais, comprometidos com a democracia.

Como disse Achille Mbembe, “ a era digital cria novas formas de soberania baseadas no controle algorítmico dos corpos e das mentes”. Se não formos nós a reprogramar essa lógica, seremos programados por ela. Não se trata de negar a tecnologia, mas de colocá-la ao serviço da democracia, da liberdade e da justiça.

O mundo muda, sim. Mas é preciso garantir que essa mudança não seja apenas tecnológica, e sim ética, política e profundamente humana. E essa mudança começa com a denúncia, com a mobilização, com a palavra viva que não aceita o silêncio como resposta. Em Angola, tal como em outros países africanos, muitas têm sido as vozes que pregam a urgência de reformas, a ruptura com o sistema do poder vigor, clamando por responsabilidade na gestão da coisa pública, por transparência e prestação de contas nas decisões tomadas sobre os imensos recursos dos nossos países. Caminhos que não sejam traçados por algoritmos estrangeiros, mas pelas mãos conscientes dos seus próprios filhos e filhas.

Conclamo à comunidade internacional a não ser selectiva na defesa da sua democracia e silenciosa na agressão dos mesmos valores nos nossos países. Aos líderes africanos, exijo que respeitem a vontade dos seus povos, pois nenhum progresso é duradouro quando construído sobre a repressão. E a todos lembro: A INDIFERENÇA PERANTE A INJUSTIÇA EM QUALQUER LUGAR É UMA AMEAÇA À JUSTIÇA EM TODO O LUGAR!

Daí que a democracia em África não pode ser entendida sem a dissecação das dinâmicas e da dialética das relações endógenas e exógenas estabelecidas no interior de cada país e de cada região geopolítica em que cada nação se insere.

Numa boa parte dos nossos países, a democracia não foi interiorizada como uma construção assente em princípios e valores inscritos na Constituição, e concretizáveis através de instituições, agindo na prática conforme a lei, no escrupuloso respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Pelo

contrário, como no caso de Angola e muitos outros, continuam a existir essencialmente instituições autoritárias, que com a aparência de democratas conclamam eleições a que antecipadamente se encarregaram de retirar aspectos universais de transparência; procedem à alterações constitucionais de conveniência; recusam observação eleitoral de instituições credíveis; não publicam cadernos eleitorais; inserem mesas móveis que ninguém mais conhece; eliminam as actas sínteses das Assembleias de voto; eliminam o apuramento local e concentram toda a contagem num espaço nacional controlado pela segurança do estado! Estas questões todas citadas, contam da iniciativa de alteração da lei eleitoral que o governo angolano enviou há 2 meses à Assembleia Nacional e que está a ser fortemente constestada por toda a sociedade civil e pelos partidos não artificiais e não criados pelo regime.

No final convidam turistas eleitorais, que são pagos e declaram à partir dos hotéis onde permaneceram durante o processo eleitoral que o mesmo foi “livre e democrático”.

São estes actos atentatórios da democracia, da transparência e do direito que nós apelamos, sejam liminarmente recusados pelos governos e pelos parlamentos dos países democráticos. Estes actos atentatórios do direito eleitoral universal, estão a tornar-se prática dos regimes autocráticos e mesmo não democráticos no continente africano.

Recusam observação independente, mas pedem dinheiro, linhas de crédito, pedem benefícios institucionais. Pedem o benefício de programas de cooperação para o desenvolvimento, mas gastam milhares de milhões a comprar consciências, a pagar lobbying, a formatar publicidade enganosa, perante o silêncio de quem deveria ter a coragem de alimentar a resiliência e a batalha diária pela liberdade de milhões de cidadãos africanos, cansados de libertadores que viraram as costas aos seus povos.

O índice de democracia elaborado pelo Economist Intelligence Unity, baseando a sua avaliação à partir de uma pontuação em cinco categorias (processo eleitoral e pluralismo; funcionamento do governo; participação política; cultura política; liberdades civis) a partir das quais cada país é classificado e enquadrado em 4 tipos de regimes: democracia plena, democracia imperfeita, regime híbrido e regime autoritário.

Em 2022, este estudo apontou:

.  apenas uma democracia plena em África: as Maurícias;

. Seis democracias imperfeitas: Botswana, Cabo Verde, África do Sul, Namíbia, Gana e Madagáscar;

.  Quatorze regimes híbridos, entre os quais a Zâmbia, o Senegal o Quénia;

. Vinte e três países considerados regimes autoritários, entre os quais: Angola, Moçambique, Mali, Ruanda, Etiópia, Zimbabwe.

O índice indica que após alguns ganhos modestos, obtidos na primeira década, presentemente nota-se um declínio dos parâmetros democráticos em África, o que deve interpelar as nossas consciências.

Apelo a esta sala que no final possamos juntos pedir a liberdade para os lideres políticos presos no Uganda (KIZZA BESIGYE) e na Tanzânia (TUNDU LISSU), com risco de perda das suas vidas. Juntos possamos defender a liberdade e a vida dizendo: FREE KIZZA – FREE TUNDU LISSU!

Somos daqueles que pensam que a pobreza e as desgraças dos nossos países, nos dias de hoje, não se devem imputar ao passado colonial, mas sim em primeiro lugar, às nossas elites governantes, pelo seu apego ao poder sem olharem a meios, incapazes de agir com base nas Constituições que aprovaram e falhos em

implementar reformas consentâneas que concretizem as reais aspirações dos nossos países, habilitando os próprios cidadãos nacionais a serem os actores do desenvolvimento dos seus países.

A África de hoje continua a ser um palco privilegiado de golpes eleitorais (casos de Angola, do Uganda), golpes constitucionais (Angola, Guiné Equatorial, etc) ajustando as constituições nacionais aos desígnios de quem governa ou golpes militares, como foram os casos do Burkina Faso, do Mali e da Guiné Konacry.

A África é também palco de insurreições armadas de motivação islâmica no Burkina Faso, na Nigéria, no Mali, em Moçambique, na República Centro Africana, etc, sem olvidar a desestabilização armada na República Democrática do Congo e no Chade, visando instaurar um caos propiciador do roubo de matérias primas para alimentar indústrias estratégicas e não só, fora de África.

Faço daqui um forte apelo à União Africana, ao Parlamento Europeu, ao Congresso e Senado Americanos, entre outras instituições para não fecharem os olhos aos actos inconstitucionais praticados para a manutenção do poder, causadores de pobreza extrema, de má governação, de corrupção, de entraves ao desenvolvimento (caso da recusa da realização das autarquias locais em Angola) e origem de inúmeras crises que afectam os direitos, as liberdades e a soberania dos povos.

São milhares os angolanos que abandonaram o país depois das eleições, são imensos os activistas que são forçados a sair do país para salvaguarda das suas vidas, são elevadas as violações dos direitos humanos à luz do dia e perante o silêncio das instituições.

Num mundo em transformações constantes ocorre um fenómeno muito interessante, em boa parte dos países africanos, sendo muito visível em Angola: os mais jovens não se revêm em muitas das convicções dos fundadores das suas independências nacionais e estes jovens são a maioria esmagadora dos cidadãos. Parte deles são elites escolarizadas e tecnicamente bem preparadas, filhos dos próprios governantes, contestando fortemente as opções do regime no poder. Estes jovens incorporam os movimentos contestatários à governação e com maior ou menor visibilidade, encontram-se em todos os ramos da vida pública. Felizmente será impossível mantê-los afastados dos processos sociais e políticos futuros.

As recentes eleições em Angola mostraram bem o protagonismo e a força da juventude. É nossa obrigação dar-lhes a atenção que merecem e conceder-lhes espaço a que têm direito. São os jovens e as mulheres as maiores vítimas dos modelos de governação autoritária: as mulheres porque recai maioritariamente sobre elas o peso da responsabilidade da gestão e da sobrevivência das famílias. Os jovens porque enfrentam a falta de escola, a falta de empregos e a busca desesperada de uma luz ao fundo do túnel.

As eleições na parte sub-sahariana do continente têm trazido mudanças e sinais de esperança, pois regimes não democráticos têm conhecido uma sequência de derrotas ou a perda de maiorias absolutas. Assim ocorreu na Africa do Sul, no Botswana, nas Seychelles. As últimas eleições em Angola e em Moçambique produziram derrotas nas urnas dos partidos no poder desde as independências e estes perceberam que não poderão mais buscar a legalidade atribuída pelos respectivos tribunais constitucionais e comissões eleitorais partidárias. O povo ganhou maturidade democrática e vai perdendo o medo de enfrentar “o papão”!

Entretanto as instituições continentais vão fazendo caminho no sentido de substituírem figuras envelhecidas sentadas na cadeira do poder, sem qualquer

legitimidade dos seus povos. A União Africana, o Parlamento Pan Africano, O Tribunal e a Corte Africana dos Povos vai fazendo caminho, muito lento, mas irreversível de transformação do continente em actor entre pares.

Por um mundo melhor, por uma África mais democrática. Por uma Angola com um futuro brilhante, dadas as riquezas que possui, aqui deixo as minhas contribuições ao tema: Os Caminhos da democracia em África.

Muito obrigado a todos.

Adalberto Costa Júnior

Presidente da UNITA

Tag:
Last modified on Sábado, 14 Junho 2025 14:03
Share:

Artigos Relacionados

- --