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Angola precisa de "uma reforma ética e institucional" após décadas de corrupção - Costa Silva

Post by: 11 Novembro, 2025
Angola precisa de "uma reforma ética e institucional" após décadas de corrupção - Costa Silva

O ex-ministro da Economia António Costa Silva disse à Lusa que Angola precisa de “uma reforma ética e institucional” para “reganhar a confiança do povo angolano” depois de décadas de corrupção no país.

Natural de Angola, Costa Silva lança hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, o livro “Angola aos Despedaços – 50 anos depois que futuro?”, no qual evoca os sonhos e aspirações dos angolanos, faz um balanço negativo dos últimos 50 anos, analisando as causas do fracasso, e aponta um caminho para o futuro, delineando uma Estratégia para o Desenvolvimento do país.

“Este livro não se furta a analisar nada e temos aqui um grande elefante na sala que nunca se discute que é o problema da corrupção em Angola [e que] é fundamental ser atacada”, declarou, em entrevista à agência Lusa.

Por isso, para Costa Silva, é essencial “uma reforma ética e institucional”.

“Cito no livro o estudo muito interessante que o Centro de Estudos e Investigação Científica que a Universidade Católica de Angola fez, dirigido por um dos mais notáveis economistas angolanos, que é o professor Manuel Alves da Rocha, e entre 2002 e 2015 eles identificam que o Estado angolano recolheu das receitas petrolíferas, dos ‘royalties’, dos impostos das companhias cerca de 840 mil milhões de dólares, uma quantidade astronómica de dinheiro - é três vezes o PIB português”, exemplificou.

Os autores do estudo verificaram que, apesar de as autoridades angolanas lhes terem respondido que essa verba tinha sido destinada essencialmente para investimento em infraestruturas, na verdade, apenas 110 mil milhões de dólares tiveram esse destino, realçou.

“Isto é, desapareceram 730 mil milhões de dólares. Este dinheiro desapareceu para alimentar a elite política ligada ao regime e (…) não foi sequer investido no país. [Foi] usado em projetos pessoais megalómanos e de ostentação e isso não faz sentido absolutamente nenhum.

Imagine o que seria Angola hoje se tivesse aplicado corretamente estes 730 mil milhões de dólares para diversificar a economia, para apostar na educação, para apostar na saúde.

Teríamos um país completamente diferente”, salientou. Lembrando que, quando tomou posse, em 2017, o Presidente angolano, João Lourenço, “elegeu o combate à corrupção como um dos grandes objetivos do seu mandato”, o antigo ministro realçou que “os avanços feitos são muito tímidos e os resultados escassos”.

“Estou convicto que se essa reforma ética e institucional não for feita em Angola, os políticos angolanos não vão reganhar a confiança do povo angolano. Há muita desconfiança hoje em Angola, muito descrédito (...).

Nenhuma sociedade consegue funcionar se não houver um mínimo de confiança. A melhor maneira de a reganhar é através de um combate sem quartel à corrupção”, rematou.

António Costa Silva, que esteve entre a multidão na noite de 11 de novembro de 1975, em Luanda, quando Agostinho Neto proclamou a independência de Angola, recordou esse “momento extraordinariamente importante”.

“Não podemos esquecer que o regime colonial era um regime de opressão do povo angolano e, portanto, a libertação era fundamental para potenciar o desenvolvimento do país”, salientou.

Contudo, passados 50 anos, Angola tem “cerca de 11,6 milhões de pessoas que vivem na pobreza extrema” e, segundo os indicadores internacionais, “uma taxa de pobreza multidimensional elevadíssima”, próxima dos 60%, salientou.

“Portanto, temos 20 milhões de pessoas que não têm condições mínimas para subsistir. Temos uma economia informal que abrange 80% das pessoas, isto é, corresponde a cerca de 40% do PIB.

É impressionante que, ao fim destes 50 anos, só 2,5 milhões de angolanos têm empregos formais com contas bancárias e acesso ao crédito”, deixando de fora “a grande maioria da população”. Costa Silva dedica o livro "Angola aos Despedaços - 50 anos depois que futuro?", da Guerra & Paz, ao povo angolano, "que foi duramente oprimido pelo regime colonial português e que não viu a sua vida melhorar neste 50 anos de independência".

"O futuro pode e deve ser diferente, mas há que encontrar o caminho", aponta, exortando os partidos políticos angolanos a colocarem o interesse nacional no centro das suas preocupações e alcançarem pactos em três domínios "transformadores para o futuro": na educação, na saúde e na diversificação da economia, até aqui "completamente ancorada no petróleo".

"Se não fizerem isso, vão ser altamente penalizados e não se pode esquecer que um país muito jovem tem um potencial elevado de contestação se os anseios dos jovens não são respondidos", advertiu. Licenciado em Engenharia de Minas, António Costa Silva, que militou nos Comités Amílcar Cabral e na Organização Comunista de Angola, esteve preso quase três anos na prisão de São Paulo, em Luanda, onde foi torturado pela polícia política do MPLA.

Fez carreira internacional na área do petróleo, tendo sido convidado pelo então primeiro-ministro António Costa para preparar uma Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica pós-covid e depois para assumir o cargo de ministro da Economia e do Mar.

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