Em Agosto último, por altura da campanha eleitoral em Angola, estanhei muito o facto de quase toda a Imprensa portuguesa, pública e privada, ter-se unido contra o MPLA, que governa este país desde 1975. E não vai valer para ninguém que agindo daquela forma em relação ao MPLA os mídia lusos estavam a faze-lo de forma isolada, portanto sem nenhuma conexão com as respectivas autoridades.
A experiência que tenho é de que os principais mídia de um país são quase sempre usados para o bem e para o mal, mesmo em países que se consideram como democracias avançadas, como é o caso de Portugal ou mesmo os Estados Unidos da América, servem quase sempre como pontas de lança dos interesses das respectivas autoridades e regimes, e negar isso é como tentar tapar o sol com a peneira.
As eleições angolanas decorreram num momento não muito bom no relacionamento entre Portugal e Angola, tendo como pano de fundo do desentendimento o facto de as autoridades de justiça lusas pretenderem julgar o então vice-presidente angolano, Manuel Vicente, por alegada suspeita de corrupção.
Como de costume, o novo Presidente de Angola, João Lourenço, não podia deixar de aproveitar a sua tomada de posse para mandar recados e mesmos farpas para Portugal, sem proferir nenhuma palavra de forma directa nesse sentido. Limitou-se a dessaber aquele país, antiga potencia colonial e que alberga uma importante comunidade de angolanos.
No seu discurso de tomada de posse, João Lourenço excluiu Portugal da lista dos países com quem quer manter o que considerou de “relações importantes”.
Lourenço fez questão de nomear os Estados Unidos, a China, a Rússia, o Reino Unido, a Espanha, a Alemanha, a Itália, e também o Japão e a Coreia do Sul como países “amigos”, cujas relações fazem parte da sua estratégia de governo.
Pior ainda, a omissão de Portugal ocorreu perante a presença do próprio Chefe de Estado português, que se dirigiu a Luanda para assistir à tomada de posse do novo presidente, tendo sido um dos estadistas que gerou a maior reacção de uma plateia de milhares de pessoas.
E para “enfeitar” ainda mais o cenário, os países elencados não se fizeram representar ao mais alto nível na cerimónia, o que deve ter sido muito embaraçoso para o estadista português. Há especulações de que Angola ameaça romper as relações diplomáticas com Portugal. Não acredito que isso possa acontecer, pois julgo que os dois países estão condenados historicamente a se relacionarem mutuamente. Um quer o outro como as esposas querem os seus maridos, e vice-versa, apesar de esporadicamente entrarem em picardias.
Sobre o processo judicial contra Vicente, o Governo angolano já enviou uma nota de repúdio ao ministério português dos Negócios Estrangeiros, em que acusa “as autoridades portuguesas” de enveredarem “por uma via manifestamente política que se traduz num acto inamistoso, incompatível com o espírito e a letra de relações iguais, as únicas que podem pautar o desenvolvimento da amizade e cooperação entre os dois Estados soberanos que se respeitam mutuamente”.
Só isto mostra o quão difícil é o momento de relacionamento entre os dois países, que nem mesmo o processo de transição política em curso em Angola ajuda a dissipar. Os angolanos alegam, e eu dou-lhes razão, que Manuel Vicente “goza de imunidade, à luz do Direito Internacional e da Constituição angolana”, e só poderá responder perante a justiça angolana.
Reitero aqui que cabe às autoridades portuguesas, a todos os níveis, mudar de comportamento e postura que assumem em relação aos países africanos que antigamente eram suas colónias. A bola está, pois, do lado de Portugal, que também certamente não gostaria de ver um governante seu de alto nível a ser julgado em nenhum dos países africanos de expressão portuguesa. (Jornalnoticias.co.mz)