Com a dor profunda das famílias dos desaparecidos durante esse processo, reafirmamos que as verdadeiras vítimas da tentativa de golpe de Estado de 27 de Maio não são aqueles que o organizaram, causando morte, prisão e maus-tratos a vários dirigentes do partido no poder, ou simpatizantes do mesmo.
Também não são aqueles membros da DISA que torturaram e assassinaram, com requintes de malvadez, inocentes apenas por serem amigos ou conhecidos dos organizadores da intentona, ou por recusarem aderir ao golpe falhado por infiltrados na DISA (Segurança de Estado).
Esses torturadores da DISA do MPLA, à semelhança daqueles que premeditaram a morte de A ou B na preparação da intentona, nunca poderão ter o perdão das famílias das vítimas. Nunca.
Usar a palavra "reconciliação" para condecorar, misturando premiados por mérito com torturadores e assassinos de milhares de inocentes, é, em todos os sentidos, uma infâmia.
Representa um demérito para quem baixa a cabeça, ajudando a branquear assassinatos e assassinos apenas para aparecer.
Esta atitude manifesta covardia, egoísmo e graves distúrbios de comportamento (patologia psicológica?). É o que, na gíria popular, se chama: "Maria vai com as outras."
É gritante a falta de empatia de grande parte dos militares, militantes e simpatizantes dos partidos originários da luta armada. Muitos já anestesiaram os sentimentos, talvez por também terem matado.
Não demonstram preocupação com os mais de 80% da população vulnerável, apenas aguardam a sua vez. Esta postura evidencia que a classe dominante apenas substituiu a burguesia colonial, sem qualquer preparação real.
Não é preciso ser psicólogo para perceber que há quem não olha a meios para atingir os fins, pretendendo transformar Angola numa sanzala gigante, pois os antigos reinados foram neutralizados, embrutecidos, desmantelados e subordinados.
É aberrante que se sintam lisonjeados por medalhas, mesmo quando condecorados ao lado de assassinos dos seus próprios entes queridos, sejam do MPLA, da UNITA ou da FNLA públicas. apenas para aparecerem em cerimónias
Os que não têm familiares mortos, mesmo que tenham um coração insensível, deveriam pelo menos ver os seus conterrâneos a disputar lixo para se alimentarem, principalmente nas sanzalas, onde a miséria é ainda maior. Acham isso justo? Normal?
Os verdadeiros intelectuais que iniciaram a luta de libertação não foram nem Agostinho Neto nem Jonas Savimbi. Ambos aproveitaram o MPLA para se promoverem politicamente, sendo que o 1.º Presidente do MPLA foi llídio Machado, seguido por Mário Pinto de Andrade.
Agostinho Neto e Jonas Savimbi beneficiaram-se do trabalho árduo de nacionalistas intelectuais, oriundos de vários movimentos que originaram a UPA e o MPLA, baseados em figuras como Cônego Manuel das Neves, Cândido Cardoso, Afonso Dias da Silva e vários membros da Casa dos Estudantes do Império, amplamente conhecidos.
Não se observa empatia por parte dos cidadãos privilegiados pelo sistema político-económico, muitos oriundos dos musseques e do campo, com a maioria que hoje come do lixo ou morre em massa, muitas vezes sepultada até em cemitérios privados.
Por essa razão, assistem passivamente ao abuso de poder e à violência psicológica contra os mais vulneráveis e contra os poucos intelectuais que recusam vender-se.
Os que acham que "chegou a sua vez", ou aguardam por ela, permanecem em silêncio por covardia e conveniência. Alguns fingem choramingar, mas quando lhes é dado um "biberão cheio", calam-se. Que mediocridade. Que vergonha.
Nem o medo de um segundo 27 de Maio justifica tanta submissão. Infelizmente, parece-nos que há quem se surpreenda, enquanto o país assiste ao aniquilamento de quem pensa, ao embrutecimento e morte precoce de quem não teve acesso a formação cívica e moral, ao encerramento de empresas e ao escoamento das nossas riquezas e divisas para o exterior, ocultos por uma arrogância vazia e ignorante.
Maria Luísa Abrantes
*Jurista