MPLA sem apoio de Moscovo antes do fim do regime colonial português - historiadora

Post by: 19 July, 2025

A professora universitária Natalia Telepneva, especialista em história da União Soviética e da Guerra Fria em África, defende que, aquando do 25 de Abril de 1974, o MPLA “não tinha fundos nem armas” devido ao corte do apoio soviético.

Segundo a historiadora, na base da suspensão da ajuda soviética estava “uma relação complicada” do líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, com os soviéticos, devido aos conflitos internos, em 1973 e 1974, naquele movimento de libertação.

“Os soviéticos não gostaram desse conflito e cortaram a ajuda ao MPLA. É por isso que quando se deu o golpe de Estado em Portugal, o MPLA não dispunha, de facto, de fundos nem de armas.

Por isso, tiveram de reconstituir a sua relação com a União Soviética e, de facto, potenciar a sua relação com o Partido Comunista Português e o MFA, o Movimento das Forças Armadas, para renovar o compromisso soviético com fundos e armas”, salienta, em entrevista à Lusa.

Natalia Telepneva, que leciona História Internacional na Universidade de Strathclyde, em Glasgow, Escócia, é a autora de “Libertação e Guerra Fria.

A União Soviética e o Colapso do Império Português em África (1961-1975)”, que analisa o apoio soviético aos movimentos anticoloniais em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, e cuja versão portuguesa (Imprensa da História Contemporânea da NOVA FCSH) foi lançada quinta-feira em Lisboa.

Questionada sobre o apoio soviético a Nito Alves, por ocasião da acusação de alegada tentativa de golpe em 27 de maio de 1977, feita por Agostinho Neto e a maior parte da estrutura dirigente do MPLA, Natalia Telepneva frisa que se trata “de uma história complicada”.

“E não conhecemos totalmente a história. De facto, os cubanos tomaram absolutamente o partido de Agostinho Neto (...). Os soviéticos estavam muito mais em conflito, porque, na verdade, Nito Alves tinha estado na União Soviética antes disso e era um defensor do socialismo científico, do socialismo científico ao estilo soviético”, acrescenta.

A historiadora está convencida de que "alguns conselheiros militares [soviéticos] em Luanda apoiaram de facto Nito Alves ou simpatizaram com ele", o que deixou o Governo do MPLA "muito descontente".

"Mas a história completa ainda não é clara. Os arquivos russos só agora desclassificaram alguns destes ficheiros, mas penso que muito em breve saberemos mais”, adianta, lembrando que os arquivos dos antigos serviços de segurança nacional KGB, atual FSB, e dos departamentos militares russos ainda não foram desclassificados. Em “Libertação e Guerra Fria.

A União Soviética e o Colapso do Império Português em África (1961-1975)”, Natalia Telepneva estuda os revolucionários africanos que lideraram lutas armadas em três colónias portuguesas — Angola, Moçambique e Guiné-Bissau — e as suas ligações a Moscovo, Praga, Berlim Oriental e Sófia.

Numa perspetiva contemporânea, Natalia Telepneva defende que, sob a liderança de Vladimir Putin, a Rússia tem tentado regressar a África de diferentes formas, utilizando a cooperação militar e de segurança como ponto de partida para a criação de novas parcerias.

Questionada sobre quanto tempo durará a “lua-de-mel” entre Moscovo e os novos poderes emergentes de golpes de Estado na África Ocidental, uma vez que a luta contra o fundamentalismo islâmico está longe de ser um êxito, começa por responder que se trata da pergunta que vale “um milhão de dólares”.

“É muito difícil de responder, porque, mesmo no período soviético, os soviéticos começaram por ser muito otimistas em relação ao que poderiam alcançar em África, começando por [Niquita] Khrushchev [secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética de 1953 a 1964 e presidente do Conselho de Ministros de 1958 a 1964], a revolução socialista, mas depois a desilusão seguiu-se muito rapidamente, quando o socialismo não vingou”, afirma.

Natalia Telepneva recorda que "mesmo as relações com os movimentos de libertação, como o MPLA ou a Frelimo, foram muitas vezes complicadas", pois "Moscovo tinha muitas preocupações em relação à China e à Jugoslávia". "Já nessa altura havia muitos debates, muitos conflitos.

E, claro, quando falamos da situação atual, especialmente na África Ocidental, há muitos sentimentos antifranceses”, que são aproveitados, incluindo pela Rússia, para oferecer uma alternativa, salienta. Quanto à alegação de analistas de que Vladimir Putin pretende recuperar o conceito da Rússia imperial, a autora defende no livro que, no passado, a ideologia era importante, mas, hoje, vingam os interesses económicos.

“[A ideologia] desempenhava um papel importante, especialmente no caso dos burocratas soviéticos de nível médio que estavam efetivamente empenhados em apoiar os movimentos de libertação no Comité Central. Por isso, penso que a sua visão marxista do mundo moldou a forma como viam os diferentes movimentos de libertação. E também se empenhou, de muitas formas, na libertação africana".

"Se estamos a tentar estabelecer paralelos com os dias de hoje, penso que é mais complicado, porque (...) a ideologia marxista-leninista já não existe. Nos últimos anos, vários atores têm estado envolvidos no regresso da Rússia, diria eu, a África.

Muitos deles cada vez mais ligados ao Estado. Diria que os interesses comerciais são realmente importantes, os interesses económicos são realmente importantes agora”, explica.

A persistência de "algumas heranças do período soviético" e, "nalguns quadrantes, (...) a imagem da União Soviética, da Rússia, como apoiante da libertação nacional, (...) dá à Rússia alguma credibilidade junto de alguns líderes africanos”, vinca. “Se estivermos a falar da situação atual, parece que a China está a assumir a liderança.

E, mesmo nos anos 1960, os chineses tinham o cuidado de mostrar muito respeito pelos líderes africanos, que eram normalmente recebidos a um nível bastante elevado, apesar de não serem chefes de Estado. O que sabemos agora não é novo. É claro que o grau de envolvimento aumentou", acrescenta.

Para Natalia Telepneva, neste momento, "os chineses parecem estar na vanguarda, porque combinam o planeamento central com o capitalismo de uma forma que, obviamente, capta os mercados, mas também lhes permite manterem-se a longo prazo, porque as empresas ocidentais estão interessadas nos custos e nos negócios atuais.

A China tem uma visão muito mais a longo prazo, (...) mesmo que não seja imediatamente rentável", conclui.

Last modified on Saturday, 19 July 2025 16:17
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