Aparelho repressivo angolano é suficientemente sólido para conter as manifestações - Investigador

O investigador Fernando Jorge Cardoso defende que “o aparelho repressivo angolano é suficientemente sólido para conter as manifestações” em Luanda e que o principal desafio para João Lourenço são as eleições de 2026.

“Eu penso que o aparelho repressivo que o MPLA e o Governo de Angola têm é suficientemente sólido nesta altura para conseguir conter estas manifestações, que são manifestações muito inorgânicas”, disse à Lusa Fernando Jorge Cardoso, professor catedrático convidado da Universidade Autónoma de Lisboa e especialista em assuntos africanos.

Impossibilitado constitucionalmente de concorrer a um terceiro mandato presidencial, a João Lourenço resta voltar a candidatar-se a secretário-geral do partido para ficar a chefiar o MPLA e, dessa maneira, procurar condicionar a escolha do candidato presidencial do partido, no poder desde a independência em 1975, considera.

Para Fernando Jorge Cardoso, teoricamente a continuação de João Lourenço na Presidência da República apenas poderá ser feita de duas maneiras: por um golpe de Estado ou uma revisão constitucional. “Qualquer alteração constitucional, por mais pequena que seja, exige pelo menos dois terços dos deputados.

E o MPLA não tem dois terços dos deputados. Tem muito menos do que isso. Quer dizer, a UNITA [maior partido da oposição] com os seus 90 deputados impede qualquer alteração constitucional neste sentido.

Portanto, a não ser que exista um golpe de Estado, coisa que não vai existir, João Lourenço não vai ser o próximo Presidente da República em 2027”, sustenta. Fernando Jorge Cardoso acredita que João Lourenço vai procurar continuar a liderar o MPLA mas, acrescenta, “nada garante que qualquer indicação que ele dê seja aquilo que seja seguido pelo próprio partido”.

“O partido tem, digamos, o seu instinto de autopreservação no poder e a partir do momento em que as pessoas já estão a cheirar que ele [João Lourenço] vai deixar de ter o poder, à medida que se vai aproximando o momento”, esse vai ser o grande desafio em Angola, considera.

Relativamente aos protestos violentos ocorridos desde segunda-feira na capital angolana, Fernando Jorge Cardoso salienta que refletem o facto de Luanda ter cerca de 4 milhões de habitantes “com uma taxa de desemprego e de subemprego informal crescente, e um regime que está preso pelas suas próprias teias”.

Os protestos violentos coincidiram com a greve de operadores de táxis, contra o fim dos subsídios aos combustíveis e as manifestações contra o aumento do custo de vida convocadas para segunda, terça-feira e hoje.

O balanço provisório das autoridades angolanas aponta para 22 mortos, 197 feridos e 1.214 detenções nos dois dias de tumultos, segundo dados avançados pelo ministro do Interior de Angola, Manuel Homem, no final da reunião do Conselho de Ministros de hoje, onde foi feito o ponto da situação dos dois últimos dias, marcado por atos de vandalismo na capital angolana.

Relativamente aos protestos, marcados por vandalismo e pilhagens de armazéns e estabelecimentos comerciais com alimentos e outros bens de consumo, Fernando Jorge Cardoso sustenta que as autoridades angolanas se limitaram “a colocar em campo todo o seu aparelho repressivo e com isso conseguiu conter” as manifestações.

“Na verdade, o grande centro de poder é a capital do país e a capital do país está altamente controlada e não creio que manifestações espontâneas façam mais do que criar alguma instabilidade, criar danos, particularmente às empresas e às pessoas, mas não vão colocar grande problema, do meu ponto de vista, ao poder constituído”, acrescenta.

O professor universitário diz que, se fosse um governante angolano, “só em última instância” mexia no preço dos combustíveis. “E só estando muito seguro que conseguia explicar isto às populações. Mas mesmo que explicasse, provavelmente ninguém acreditava, ou então diriam aquilo que está correto dizer: ‘ponham o dinheiro que vocês levaram para fora cá dentro, em vez de nos estarem a tirar a nós’”, conclui.

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